Ebook: A (des)razão despreparada: O ser-no-mundo do homem ordinário segundo a fenomenologia da consciência ingênua de Álvaro Vieira Pinto. Notas para a divulgação de Consciência e Realidade Nacional, volume I (1960)

Apresentação

Esta apostila didática foi original e parcialmente apresentada em setembro de 2019, como a conferência de abertura do II Encontro Álvaro Vieira Pinto do Triângulo Mineiro, realizada na Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba (MG). Resolvi publicá-la como um texto de acesso livre e licenciado em licença aberta para cumprir e ser consistente com a vocação de divulgação dos estudos filosóficos, que acredito estar inscrita, e bem acesa, em Consciência e Realidade Nacional (CRN), obra-prima de Álvaro
Vieira Pinto. Com essa iniciativa pretendo contribuir para a difusão da leitura de CRN. E tento oferecer uma breve introdução às ideias desse filósofo brasileiro, visando driblar um dos aspectos que inibiu o pleno êxito das suas intenções autorais — afinal, CRN reúne, em dois pesados volumes, mais de mil páginas, que possivelmente têm intimidado aos leitores.

Afirmo isso baseada em minha experiência docente. Há mais de trinta anos sou pesquisadora atuante na área da história intelectual, ensino e oriento em nível de graduação ou pós-graduação, e até hoje só encontrei pouquíssimos estudantes que fizeram a longa travessia de Consciência e Realidade Nacional. É claro que há razões historicamente compreensíveis para que a recepção às ideias do isebiano tenha sido enviesada — de resto, examino tal problema nos primeiros capítulos de Esperança e Democracia, minha tese de doutorado publicada pelo IUPERJ e Editora UFMG em 2003. No entanto, a despeito desses aspectos historicamente efetivos (na acepção dada por Gadamer) e que tem a ver tanto com um conflito de gerações quanto com as inflexões intelectuais entre as vogas do historicismo/existencialismo e do estruturalismo, a verdade é que a compreensão da filosofia de Vieira vem se baseando
principalmente em outros livros que, obviamente, são relevantes, mas também são de menor monta (Ideologia e Desenvolvimento Nacional | Por que os ricos não fazem greve? | Sete lições...). Ademais, desde as publicações póstumas dos inéditos O conceito de tecnologia e Sociologia dos países subdesenvolvidos, a sua fortuna crítica sofreu notável reviravolta, encontrando jovens leitores com novas perspectivas. Mas, contudo, lamentavelmente, e em virtude dessa mesma reviravolta, também tem sido reavaliada fragmentariamente sob a ênfase das descontinuidades e das fases isoladas.

Por fim, afora esses motivos acadêmicos, que se referem às (im)precisões de interpretação da história das ideias filosóficas no Brasil, esta publicação também se justifica por razões nietzschianas e vitais. Porque CRN encerra uma potência intelectual que justamente agora precisa e deve ser resgatada. Vieira enfrentou os ânimos demofóbicos e não apenas tentou aproximar o filósofo do leigo, convidando homens ordinários para o debate, como, principalmente, descreveu os traços característicos desse homem comum conduzindo seus leitores pelos caminhos da (auto)reflexão acerca dos seus próprios pertencimentos à realidade
nacional. Dirigindo-se às maiorias, Consciência e Realidade Nacional consistiu num projeto filosófico compromissado com a inclusão social, o reconhecimento e o diálogo sobre e com as massas.

Rio de Janeiro, novembro de 2019.

Norma Côrtes