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Ebook: Emílio ou da Educação

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29.01.2024
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Dentre os grandes pensadores, que tanto dignificaram o século XVIII,
Rousseau era por certo o menos indicado para elaborar um tratado de educação
suscetível de transformar os métodos em voga no seu tempo. Tivera uma
infância adversa. Não conhecera a mãe, falecida oito dias após seu nascimento.
Abandonado pelo pai, que o entregou a uma tia para que o criasse, cresceu ao
deus-dará, tendo por primeiros mestres criaturas despreparadas ou mesquinhas
que, ao invés de lhe apurarem o espírito, contribuíram ao agravamento de seus
inúmeros defeitos.
A adolescência e a mocidade não lhe foram mais amenas, salvo alguns
períodos pouco extensos, vividos à sombra protetora da Senhora Warens,
durante os quais se dedicou à música, aos livros e à pintura. Seu casamento com
Thérèse Le Vasseur tornou-lhe a vida mais difícil. E o filho, que fora abandonado
pelo pai, não hesitou, ao também fazer-se pai, em se desfazer dos cinco filhos,
entregando-os à roda, sob a alegação de não dispor de recursos para sustentálos
e de, assim agindo, evitar-lhes maiores sofrimentos no futuro. Desculpa
inaceitável, mesmo em se levando em conta ser frequente naquela época atitudes
como essa, e inadmissível num homem que ao escrever ao pai — tinha Rousseau
vinte e três anos, na ocasião — afirmava que a única profissão por que sentia
"alguma predileção" era a de preceptor. Mas, como na vida e na obra de
Rousseau, contradições e incoerências estão à vista de qualquer leitor atento,
não há por que as estranhar no seu Emílio, essa obra discutível mas
encantadora, porque inspirada no amor à infância e no desejo de a furtar a um
sistema pedagógico despótico, com base na intimidação moral e no castigo
físico.

O Emílio, ao que parece, teve origem num projeto com fim determinado: a
educação do primogênito do grande preboste de Lyon, de que Rousseau era
preceptor. Mais tarde, tal projeto foi ampliado e aplicado na instrução do neto
da Senhora Dupin, a quem Rousseau servia de secretário. Reelaborado entre os
anos de 1757 e 1760, veio a público em maio de 1762, um mês após o lançamento
do Contrato Social. Em princípios de junho a reação se fez sentir: confiscou a
obra e condenou-a à fogueira. O que ocorreu na França ocorreria na Holanda e
em Genebra. Clemente XIII incluiu-a no Index e a Sorbonne ratificou essa
perseguição. Pesa sobre Rousseau ameaça de prisão. Seus adversários,
sentindo-se atingidos pela crítica implícita no livro, não lhe poupam censuras.
Contam-se entre eles Voltaire e Diderot.
Mas por que tal encarniçamento contra a obra e seu autor? Antes de mais
nada, pela intenção renovadora de que ela vinha revestida, e isto punha em
discussão toda a estrutura de uma sociedade. O Emílio completava o
pensamento de Rousseau sobre a sua concepção do mundo. Para levar a bom
termo a volta ao "homem natural", degenerado, segundo ele, por uma
civilização artificial, contrária à Natureza, fazia- se mister educá-lo
convenientemente, a partir da infância, sem o que não seriam exequíveis a
família e o Estado rousseaunianos concebidos na Nouvelle Héloise e no Contrato
Social. Com o Emílio ganhava forma e homogeneidade sua filosofia da
existência, uma filosofia ingênua e impraticável certamente, mas generosa, rica
de idealismo, confiante na recriação do mundo moldado na moral e na justiça.
Ao divulgar o Emílio, em Português, a Difel, também homenageia o seu
brilhante tradutor, o escritor Sérgio Milliet, falecido dias depois de haver
cumprido, com a costumeira competência, esta sua última tarefa.
Rolando Roque da Silva
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