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Ebook: Os Condenados da Terra

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28.01.2024
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Nascido em 1925, na França (tendo ascendência africana), Frantz Fanon foi um filósofo e ensaísta marxista (bem como psiquiatra), tendo focado seus trabalhos principalmente nos movimentos de libertação anti-coloniais, sendo um dos fundadores do pensamento terceiro-mundista, termo usado para definir o estudo dos países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, ou ainda os que estiveram neutros na Guerra Fria (Primeiro Mundo sendo os EUA e seus aliados, e o Segundo Mundo a URSS e seus aliados). O nome vem de Alfred Sauvy, outro francês, que o propunha em consonância com a ideia de Terceiro Estado da Revolução Francesa. Para Sauvy, os países do terceiro mundo deveriam passar por processos revolucionários (sejam eles propriamente revolucionários ou processos burgueses como os ocorridos na França). Os termos Primeiro e Segundo Mundo surgiram de interpretações imprecisas da teoria Sauvyniana.


Durante seus estudos de filosofia, sofre forte influência de nomes como Sartre, Kiekergaard, Heidegger, Marx, Lênin, Merleau-Ponty, Lacroix e Husserl. Autor de quatro obras, sem dúvida a mais conhecida de Franz Fanon é Os condenados da Terra, tendo um prefácio de Jean-Paul Sartre e um título inspirado no hino do movimento comunista internacional. É um livro extenso, que apresenta críticas ao nacionalismo e ao imperialismo, suas consequências psíquicas, uma discussão de como a linguagem é utilizada para estabelecer a identidade imperialista, como ‘colonizador’ e ‘colonizado’ usados de forma a moldar psicologicamente os nativos em sua função de escravo de um mestre, e até mesmo a função de um intelectual em uma revolução. O livro aborda também as funções da classe, da raça, da cultura nacional e da violência no conflito por liberação nacional, bem como os mecanismos de dominação usados nos processos colonizatórios e como eles são interiorizados como ‘consciência’ no povo colonizado. Como afirma o próprio Fanon, “é o colonizador quem tem feito e continua a fazer o colonizado. O colonizador tira sua verdade, isto é, seus bens, do sistema colonial.”

Todo povo colonizado, isto é, todo povo no seio do qual nasce um complexo de inferioridade, de colocar no túmulo a originalidade cultural local – se situa frente-a-frente à linguagem da nação civilizadora, isto é, da cultura metropolitana. O colonizado se fará tanto mais evadido de sua terra quanto mais ele terá feito seus os valores culturais da metrópole. Ele será tanto mais branco quanto mais tiver rejeitado sua negrura.[1]

Para a análise destes mecanismos, ele parte dos conceitos de alienação propostos por Marx e Hegel. Para Hegel, a alienação não é material, estando de fato baseada num processo onde a existência do homem fica “alheia” à sua essência. Existe também uma questão religiosa. Na obra “De Hegel a Marx”, Hegel apresenta o Cristo como “um homem virtuoso que suporta a todos, um destino prosaico; quando interpela os quatros evangelhos, Hegel elimina deles “não só a religião como também sua poesia”. O Deus hegeliano numa análise da história, porém, é uma imagem da consciência coletiva dos povos. Já para Karl Marx a alienação tem uma fonte material. Advém do trabalho, que escraviza o homem ao invés de humanizá-lo (indo contra o dito popular de que o trabalho dignifica a existência). Ela poderia vir da religião, como afirmaria Hegel, mas não de sua fonte espiritual mas de sua institucionalização enquanto agente de poder (a Igreja), assim como poderia vir do Estado. Porém, em sua forma básica, seria uma alienação econômica, vinda do trabalho, que seria produto de outros, alijando o homem de beneficiar-se do seu próprio esforço.

Para livrar-se da questão cultural e da alienação, Fanon não vê outra alternativa além de uma revolução violenta que parta , ao contrário do que afirmaria o movimento comunista francês à época, não estaria no proletariado industrial, mas sim nos Damnés, a aposta de Fanon, os que não eram “ninguém” na sociedade colonial, o lumpemproletariado, porém não segundo a definição de Marx, mas como aqueles que não estão envolvidos com a produção industrial, por possuírem, segundo Fanon, independência intelectual suficinte para aceitarem uma rebeldia contra o status quo. Literalmente, aqueles que “não tinham nada a perder, a não ser os seus grilhões”. Conforme afirma o próprio teórico francês:

A descolonização se propõe a mudar a ordem do mundo, é, como se vê, um programa de desordem absoluta […] é um processo histórico: isto é, ela só pode ser compreendida, só tem inteligibilidade, só se torna translúcida para si mesma na exata medida em que discerne o movimento historicizante que lhe dá forma e conteúdo. A descolonização é o encontro de duas forças congenitamente antagônicas, que têm precisamente a sua origem nessa espécie de substancialização que a situação colonial excreta e alimenta. […] A descolonização é verdadeiramente a criação de homens novos. Mas essa criação não recebe a sua legitimidade de nenhuma potência sobrenatural: a “coisa” colonizada se torna homem no processo mesmo pelo qual ela se liberta.[2]

Além da discussão sobre o processo colonizatório, Fanon também discute os erros no processo de descolonização. Ele argumenta que na maioria desses países, a burguesia nacional meramente substituiu a burguesia da metrópole e o país permanece dependente dos mercados e do capital estrangeiro mesmo depois de se tornar um país “livre”. As massas do novo estado criado, porém, não são afetadas. Frantz afirma que a solução para esses problemas seriam também uma revolução violenta das massas. Ele chega a essa conclusão partindo da premissa de que a sociedade colonial é maniqueísta, compartimentada. O bom é colocado contra o ruim, o branco contra o negro, o rico contra o pobre, o indígena contra o estrangeiro, a classe dominante contra as outras. Essa divisão da população cria uma tensão que não pode ser ignorada. Uma verdadeira descolonização, dessa forma, iria erradicar essa dicotomia e criar uma sociedade onde “os últimos serão os primeiros”. Porém, como o colonialismo baseia-se na violência, o processo de descolonização também deverá ser.

Essas ideias de dependência do terceiro mundo encontram ecos na teoria econômica marxista contemporânea, tal como a teoria da dependência, que busca analisar de forma marxista os processos de subdesenvolvimento (seus aprofundamentos e reproduções) nas periferias do capitalismo mundial:

Para a teoria da dependência a caracterização dos países como “atrasados” decorre da relação do capitalismo mundial de dependência entre países “centrais” e países “periféricos”. Países “centrais”, como centro da economia mundial será identificado nos espaços em que ocorrem a manifestação do meio técnico científico informacional em escala ampliada e os fluxos igualmente fluam com mais intensidade. A periferia mundial (países periféricos)se apresente como aqueles espaços onde os fluxos, o desenvolvimento da ciência, da técnica e da informação ocorram em menor escala e as interações em relação ao centro se dêem gradativamente. A dependência expressa subordinação, a ideia de que o desenvolvimento desses países está submetido (ou limitado) pelo desenvolvimento de outros países e não era forjada pela condição agrário-exportadora ou pela herança pré-capitalista dos países subdesenvolvidos mas pelo padrão de desenvolvimento capitalista do país e por sua inserção no capitalismo mundial dada pelo imperialismo. Portanto, a superação do subdesenvolvimento passaria pela ruptura com a dependência e não pela modernização e industrialização da economia, o que pode implicar inclusive a ruptura com o próprio capitalismo.[3]

Em suma, Os Condenados da Terra, de Frantz Fanon, torna-se extremamente atual na nossa era de pós-verdade, em que as questões linguísticas passam a definir contextos de nossas existências e em que os paradigmas que estão interiorizados em nossa psique começam a lentamente ruir.
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